A VILA QUE VIROU METRÓPOLE

Em menos de quatro décadas, Shenzhen se transformou na cidade mais inovadora da China graças a um arrojado plano de urbanização e incentivos ao empreendedorismo

por: CONEXÃO GLOBAL

Em seu ambicioso processo de transforma a China em uma potência global, o líder comunista Deng Xiaoping devotou especial atenção ao futuro de Shenzen, localizada no Delta do Rio das Pérolas, próxima de Hong Kong. Para isso, decidiu, há quarenta anos, que a então vila de pescadores com uma população de não mais que 30 000 habitantes teriam um regime legal diferente do restante do país, aberto a investimentos estrangeiros, sem impostos e com salários mais altos do que o padrão comunista. Hoje, Shenzhen é uma metrópole de 13 milhões de habitantes dentre as mais modernas do mundo. 

Trata-se de um prodígio de planejamento urbano em que táxis e ônibus são todos elétricos e alguns deles, em fase de testes, já não precisam mais de motorista. Lojas também prescindem de funcionários, e escolas têm controle de presença por reconhecimento facial. Mas o que mais impressiona é que as tecnologias que permitem esses avanços nasceram ali mesmo em Shenzhen, sede de algumas das maiores empresas de produtos de tecnologia, como a fabricante de smartphones Xiaomi; a  BYD, gigante das baterias para carros e caminhões elétricos; a Foxconn, produtora de processadores usados na maioria dos smartphones do mundo; a Huawei, pioneira em 5G no planeta, e a fabricantes de drones a DJI, responsável por 40% de todas as vendas globais da engenhoca voadora. 

Tamanha concentração de gigantes de tecnologia faz Shenzhen ser conhecida como o Vale do Silício do hardware. É possível comprar qualquer eletrônico ali ou, mais importante, qualquer peça para a fabricação de um eletrônico. O epicentro da cultura do hardware é o Huaqiangbei, uma área de 21 quilômetros quadrados que abriga mais de 20 shoppings de produtos e peças de eletrônicos. É ali que startups ainda obscuras abastecem suas fabriquetas e também onde testam novos produtos para saber se há demanda. Esse conceito de empreendedorismo é chamado de Shanzhai. 

O termo começou a ser usado às vésperas das Olimpíadas de 2008, em Pequim, e era usada de forma pejorativa para descrever produtos falsificados, cópias baratas das inovações americanas. Hoje ninguém mais usa a palavra dessa forma. Shanzhai é o ecossistema colaborativo de fabricantes que criam e vendem seus produtos o mais rapidamente possível. Se um smartphone parecido com o novo iPhone encontra demanda, eles fabricam mais. Se a moda for um celular com capa do novo filme da Disney, é isso que eles vendem. Como design, materiais e métodos de fabricação são todos compartilhados, sem muita preocupação com patentes ou marcas registradas, eles conseguem testar o mercado como nenhuma empresa tradicional do Ocidente consegue.

 Com o passar do tempo, essas empresas ganham um know-how único e inovam a uma velocidade frenética: nasceu ali o celular com dois chips, os smartphones com caixas de som potentes criados para operários da construção civil (e adotados por jovens dançarinos do TikTok), e bússolas que apontam para a Meca que viraram febre no Oriente Médio. “Muita gente olha para um celular daqui e pensa ‘é uma cópia fajuta do iPhone’, sem se dar conta que se trata de um celular tão bom quanto, mas a um quarto do preço”, explica Andrew Huang, autor do livro The Essencial Guide to Shenzhen Electronics. “Na verdade a maneira como o shanzhai foi implementado por aqui é uma proeza!”. 

E em se tratando de proezas, os cidadãos de Shenzhen acumulam muitas outras. A cidade, por exemplo, é a lar de um quinto dos PhDs da China, tem a maior taxa de empreendedores do país e também o maior número de bilionários. Tudo resultado da rígida capacidade de planejamento do governo central chinês e da engenhosidade dos locais. Nada mal para uma cidade que há poucas décadas não passava de uma vila de pescadores.